sábado, 20 de fevereiro de 2010

Gênesis 22


"Abraão prepara uma picanha" de Caravaggio. Óleo sobre tela.

Pelo jeito Deus estava quase tão entediado quanto você, fiel leitor, pois ele chegou para seu único amigo e disse: “’Abraão!’ ‘Eis-me aqui’, respondeu ele. ‘Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac; e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te indicar.’" (Gênesis 22:1-2). Ou, trocando em miúdos: “Abraão, você pode fazer um churrasco do seu próprio filho, só para celebrar como eu sou fodão?”. Só se for agora!

Abraão, com uma obediência canina, partiu com dois servos, lenha e seu filho Isaac rumo ao monte indicado pelo bondoso Deus. Chegando lá, disse aos servos: “Ficai aqui com o jumento, eu e o menino vamos até lá mais adiante para adorar, e depois voltaremos a vós." (Gênesis 22:5). Enquanto subiam a pirambeira, o pequeno Isaac já percebeu que tinha gato nessa tuba. “’Meu pai!’ ‘Que há, meu filho?’ Isaac continuou: ‘Temos aqui o fogo e a lenha, mas onde está a ovelha para o holocausto?’”(Gênesis 22:7). Abraão não queria dizer que o próprio Isaac era o prato principal do menu. ‘Deus,’ respondeu-lhe Abraão, ‘providenciará ele mesmo uma ovelha para o holocausto, meu filho.’" (Gênesis 22:8).

Abraão fez uma pilha de lenha, amarrou seu filho Isaac em cima e sacou a peixeira para começar o serviço de açougueiro. “O anjo do Senhor, porém, gritou-lhe do céu: ‘Abraão! Abraão!’ ‘Eis-me aqui!’ ‘Não estendas a tua mão contra o menino, e não lhe faças nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu filho único’ (único o caralho!, diria Ismael)” (Gênesis 22:12). É claro, amigo leitor! O bondoso Deus não queria que Abraão matasse de fato seu filho. Ele queria somente testar se Abraão era obediente mesmo! Não consta na versão oficial das escrituras, mas o anjo do Senhor ainda disse: “Abraão, olha praquela câmera ali atrás da moita! Dá tchauzinho, porque você está na Pegadinha do Senhor!”. Sério. “Abraão, levantando os olhos, viu atrás dele um cordeiro preso pelos chifres entre os espinhos; e, tomando-o, ofereceu-o em holocausto em lugar de seu filho.” (Gênesis 22:13). Agora pergunta se o cordeiro achou graça nessa história.

Abraão chamou a este lugar Javé-yiré” (Gênesis 22:14), que significa ‘Deus-sacana-e-engraçadinho’. Então o Senhor disse "Juro por mim mesmo (ele não pode dizer ‘juro por Deus’, né?): pois que fizeste isto, e não me recusaste teu filho, teu filho único, eu te abençoarei. Multiplicarei a tua posteridade como as estrelas do céu, e como a areia na praia do mar. Ela possuirá a porta dos teus inimigos todas as nações da terra desejarão ser benditas como ela, porque obedeceste à minha voz.” (Gênesis 22:16-18). Será que Deus também vai pagar as sessões de análise para a criança que foi amarrada em cima de uma pilha de lenha pelo próprio pai?

Que lição devemos tirar desta bela história? Se o bom Senhor mandar você enfiar a cabeça na privada e dar a descarga, faça-o, pois ele vai te ajudar e multiplicar sua posteridade. Mas, para a maioria de nós, Deus fala através de padres, pastores, rabinos e gurus, e nunca diretamente. Portanto, se algum deles disser para você entregar seu dinheirinho a Deus, por mais sem sentido que isso pareça, lembre-se da história de Abraão. Conveniente?

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Gênesis 21


"Agar fica mucho loca" de Guercino.

O bom Deus Todo Poderoso, em sua glória, criou o universo e todas as leis da física, planetas, estrelas, nebulosas, organismos vivos (com uma complexidade que parece fruto de milhões de anos de evolução) e, entre eles, o maravilhoso ser humano, um macaco capaz de cutucar o nariz e assistir TV ao mesmo tempo. Mas isso não foi demonstração suficiente do poder de Javé! Não, pobre mortal! Ele resolveu se superar com o milagre supremo: Fazer a benga de um homem de 99 anos subir e engravidar uma mulher quase tão velha. E assim o fez com Abraão e sua esposa e meia-irmã Sara.

O Senhor visitou Sara, como ele tinha dito, e cumpriu em seu favor o que havia prometido. Sara concebeu e, apesar de sua velhice, deu à luz um filho a Abraão, no tempo fixado por Deus.” (Gênesis 21:1-2). Eu não gosto sair acusando as pessoas (ou deuses), mas o Senhor visitou Sara e ela engravidou. Entenda como quiser. Mas enfim, Sara concebeu e amamentou um rebento que “Abraão pôs o nome de Isaac” (Gênesis 21:3). E “No dia em que foi desmamado, Abraão fez uma grande festa” (Gênesis 21:8) e todos dançaram ao som de “Mamãe Eu Quero” e outras marchinhas.

Mas nem tudo são flores na infância do pequeno Isaac. Se vocês não se recordam, em Gênesis 16, Abraão, atendendo a um pedido de sua esposa Sara (!), teve um filho chamado Ismael com a escrava Agar. Ismael não tinha televisão, videogame nem acesso à internet e, como passatempo, resolveu maltratar o rebento Isaac. Sara fica emputecida e resolve buzinar na senil orelha de Abraão: “Expulsa esta escrava com o seu filho, porque o filho desta escrava não será herdeiro com meu filho Isaac." (Gênesis 21:10). Abraão pensou “putaqueopariu, agora mais essa?” e não ficou nada feliz, pois ele gostava do jovem Ismael e não queria expulsá-lo de sua casa. “Mas Deus”, sempre com a solução para seus problemas, “disse-lhe: ‘Não te preocupes com o menino e com a tua escrava. Faze tudo o que Sara te pedir, pois é de Isaac que nascerá a posteridade que terá o teu nome. Mas do filho da escrava também farei um grande povo, por ser de tua raça.’" (Gênesis 21:12-13) Ah bom! Agora sim!

Abraão, após ser aconselhado pelo Senhor, deu um pão, um odre de água e um pé na bunda para Agar e Ismael, que saíram errantes pelo deserto. Sob o sol escaldante do Oriente Médio e com nenhuma loja de conveniência aberta, não demorou muito para que os dois caíssem moribundos, sem água e sem comida. “Ô castigo”, bradou Agar, “quem poderá nos salvar? Quem? Quem?”. O bom Senhor! Aleluia! Apesar de não poder comparecer pessoalmente, ele enviou um anjo que apareceu para Agar (perceba que esta visão não foi uma alucinação decorrente do fato de Agar estar desidratada e o sol do deserto fritando sua caixola. De jeito nenhum! Foi um anjo mesmo, ok?). E o anjo disse: “Que tens, Agar? Nada temas, porque Deus ouviu a voz do menino do lugar onde está. Levanta-te, toma o menino e tem-no pela mão, porque farei dele uma grande nação." (Gênesis 21:18). E, quando Agar ergueu sua cabecinha cheia de vozes dentro, viu um poço de água que miraculosamente havia aparecido ali. E assim, ela e Ismael sobreviveram a mais esta provação. “Ele cresceu, habitou no deserto e tornou-se um hábil flecheiro. E habitou no deserto de Farã, e sua mãe tomou para ele uma mulher egípcia.” (Gênesis 21: 20:21). Glória!

Enquanto isso, nosso conhecido de capítulos anteriores, Rei Abimelec resolveu fazer um tratado de paz com Abraão. Abimelec de bobo só tinha o nome. Ele sabia que Abraão era protegido de um Deus que, quando está enfurecido/entediado, mata mesmo. E todo mundo sabe (exceto este autor que vos escreve) que é melhor ser amigo do que inimigo dessa gente. “Mas Abraão queixou-se a Abimelec por causa de um poço (será o mesmo poço que salvou Agar e Ismael?) que os seus homens lhe tinham tirado à força.” (Gênesis 21:25). Abimelec disse que iria averiguar a ocorrência e eles fizeram aliança de paz. Para selar o tratado, Abraão deu bois e ovelhas para o rei mas, num ato curioso, separou sete ovelhas do rebanho. “Que significam estas sete ovelhinhas que puseste à parte?” (Gênesis 21:29), perguntou o rei intrigado. "Aceitarás de minhas mãos estas sete ovelhinhas, respondeu Abraão, como testemunho de que fui eu que cavei este poço" (Gênesis 21:29). Hã? Teria Abraão fumado crack? Abimeleca, que preferiu não questionar o velho gagá, aceitou as tais das ovelhinhas. Certo então. E assim “Abraão habitou muito tempo na terra dos filisteus.” (Gênesis 21:34). E fim!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Interlúdio: O Abacaxi seja louvado


As cédulas do Real vão mudar, mas não muito. Assim como nas antigas, as novas notas ainda terão um safado de um “Deus seja louvado” escrito bem pequenininho. Isso parece muito adequado para aqueles que louvam a Deus, mas eu sou um devoto da Igreja do Grande Abacaxi Carismático (um ótimo site que infelizmente não está mais no ar), e quero que esteja escrito “O Abacaxi seja louvado” nas cédulas, pode ser? E por que não, “A Mula-sem-cabeça seja louvada”? Daria um toque patriótico às cédulas! Ou ainda, “Belzebu seja homenageado com o sacrifício de virgens”, para aqueles que adoram o pé-duro?

A resposta todo mundo já sabe: É melhor que não esteja escrito nada disso. Mas infelizmente nosso Estado é laico pero no mucho. É só dar uma olhadinha na constituição e você vai descobrir que, trocando em miúdos, “o Estado é laico graças a Deus”. Já no preâmbulo da Constituição Federal “promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. Fodeu!

A Mula-sem-cabeça, o Abacaxi Carismático, Belzebu e Deus, todos se encaixam na mesma categoria: crendices e superstições. Cada um acredita no que quiser (ou no que foi condicionado desde criancinha a acreditar), mas bom mesmo seria se o Estado fosse para todos e não somente para aqueles que tem um amigo imaginário chamado Deus.