sexta-feira, 19 de março de 2010

Gênesis 23-24


Celebrai! A boa notícia é que Gênesis 23 pode ser trocado em miúdos: Sara, a mulher-maçaneta (que todo mundo passou a mão), empacota aos 127 anos de idade. Abraão, querendo um bom jazigo para sua defunta, a enterra numa caverna na terra de Efrom. E fim.

A má notícia é que Gênesis 24 é um capítulo um pouco mais longo. Mas juntos chegaremos lá! Avante.

O velho Abraão chama seu mais antigo e fiel escravo e diz “Mete tua mão debaixo de minha coxa.” (Gênesis 24:2). Ó-quêi-pó-pará! Teria o velho ficado pervertido com a ausência de Sara? Mete a mão debaixo da coxa? E depois? Cheira? Ica. Mas não é nada disso, hereges pecadores da mente pútrida e pestilenta. Era desse jeito que se fazia uma promessa nos tempos bíblicos. “Quero que jures pelo Senhor, Deus do céu e da terra, que não escolherás para mulher de meu filho nenhuma das filhas dos cananeus, no meio dos quais habito; mas irás à minha terra, à minha parentela, e lá escolherás uma mulher para o meu filho Isaac." (Gênesis 24:3-4). Abraão quer que seu filho mantenha a tradição endogâmica familiar e não se misture com a gentalha que o cerca, por isso pede ao seu servo que vá buscar uma mulher em sua terra natal.

Mas o astuto escravo sabe que a coisa pode ser mais complicada: Um camelo vai para onde você puxar. O escravo, ao contrário de Abraão, sabe que uma mulher é um pouco diferente de um camelo, e indaga: “Talvez essa mulher não me quererá seguir a esta terra; nesse caso, poderei reconduzir o teu filho à terra de onde saíste?" (Gênesis 24:5). Abraão diz “Guarda-te bem de reconduzir para lá o meu filho! (ou, em bom Português, “o caralho que você vai reconduzir para lá o meu filho!”)(...) se ela não te quiser seguir, estarás desobrigado do juramento que te impus. Somente não reconduzas,de forma alguma, para lá o meu filho." (Gênesis 24:6-8). Ok, não precisa dar chilique. “Pôs, então, o servo sua mão debaixo da coxa de Abraão, seu senhor, e fez-lhe o juramento que ele pedia.” (Gênesis 24:9). Eu juro que não inventei essa história da mão na coxa.

E assim partiu o escravo para Nacor, levando camelos, ouro e toda sorte de eletro-eletrônicos, em busca de um pitéuzinho para Isaac. Já nos arredores da cidade de Nacor, nosso amigo resolveu parar sua comitiva num poço para dar um relax. E aproveitou para pedir uma ajuda ao Senhor na sua missão: “Senhor, Deus de Abraão, meu senhor, fazei-me encontrar hoje o que desejo, e manifestar vossa bondade para com meu senhor Abraão. Eis-me aqui, de pé, junto desta fonte onde as filhas dos habitantes da cidade virão buscar água. Portanto, a donzela a quem eu disser: ‘Inclina o teu cântaro, por favor, para que eu beba’ -, e me responder: ‘Bebe, e darei de beber também aos teus camelos’ -, essa seja a que destina ao vosso servo Isaac. Por isto conhecerei que manifestais vossa bondade para com meu senhor." (Gênesis 24:14). Improvável, né?

Mas Deus é pai e foi tiro e queda! Surgiu imediatamente uma jovem chamada Rebeca com um cântaro nos ombros. “A jovem era extremamente bela, virgem, e homem algum a havia possuído.” (Gênesis 24:16). Extremamente bela e extremamente virgem. E quando o escravo pediu água, a jovem seguiu o script direitinho: "Bebe, meu senhor. Vou buscar água também para os teus camelos, para que todos bebam." (Gênesis 24:18-19). Bingo! Para impressionar a moça, o escravo saca um anel e dois braceletes de ouro e pergunta: “Haveria na casa de teu pai um lugar para passarmos a noite?" (Gênesis 24:23). Eu responderia: “Alguém que anda com anéis e braceletes de ouro a dar com pau, não tem dinheiro para se hospedar num hotel, ó nobre estrangeiro?”. Mas Rebeca não é ranzinza e rude como o autor que vos escreve, e responde: “Há em nossa casa palha e forragem em abundância, e também lugar para passar a noite.” (Gênesis 24:25).

Rebeca voltou saltitando para sua humilde residência e, tilintando o ouro que acabara de ganhar, contou o ocorrido para sua família. Seu irmão, Labão (me pergunto se esse era o nome dele mesmo, ou se era um apelido em virtude do tamanho do... ah, deixa pra lá), vê no abonado estrangeiro uma chance para amarrar seu burrinho na sombra. "Vem, bendito do Senhor, disse ele, por que permaneces aí fora? Preparei a casa e um lugar para os camelos." (Gênesis 24:31). E, na mesa do jantar, o servo de Abraão resolveu abrir o jogo: “Eu sou escravo de Abraão. (...) O meu senhor fez-me jurar que eu não escolheria para o seu filho uma mulher entre as filhas dos cananeus, em cuja terra ele mora, mas que viria à casa de seu pai, à sua família, para aí escolher uma mulher para o seu filho.” (Gênesis 24:34-38). Labão e o pai de Rebeca, Batuel, não hesitaram em entregar a moça ao escravo estrangeiro. “Eis aí Rebeca: toma-a e parte. Que ela seja a mulher do filho de teu senhor, como o Senhor disse." (Gênesis 24:51). E para deixar todo mundo feliz, o escravo encheu Rebeca e sua família de fabulosos presentes, como perfumes importados, iPods® e calçados Nike®.

Na manhã seguinte, quando o escravo estava se preparando para sair e levar sua mulher-troféu de volta para casa, Labão e a mãe de Rebeca disseram: “Fique a jovem ainda conosco alguns dias, ao menos dez dias; depois disto partirá." (Gênesis 24:55). Aí fodeu. Estava tudo certinho, no esquema: o escravo voltando para casa com uma mulher para Isaac, e todo mundo feliz cheio de presentes. E aí vem Labão e a velha com esse papo de “veja bem”? Nananina, o escravo não gostou nada dessa quebra de contrato. “Não me retenhais, tornou ele: pois que o Senhor fez bem-sucedida a minha viagem, deixai-me partir e voltar para o meu senhor." (Gênesis 24:56). E agora? Como resolver esse angu de caroço? “Chamemos a jovem, disseram eles, e perguntemos-lhe o seu parecer." (Gênesis 24:57). O que?!? Eles vão perguntar para Rebeca o que ela acha?!? Glória, Senhor! Ao ser questionada se queria partir com o escravo, Rebeca disse “sim” (Gênesis 24:58)! E assim ela partiu, “juntamente com sua ama-de-leite, com o servo de Abraão e seus companheiros.” (Gênesis 24:59).

Isaac viu de longe a comitiva se aproximando, e Rebeca também viu Isaac. “Ela disse ao servo de Abraão: ‘Quem é aquele homem que vem ao nosso encontro no campo?’ É o meu senhor’, respondeu ele. E ela tomou depressa o véu e cobriu-se.” (Gênesis 24:65). Seria o véu um embrulho de presente? “E Isaac introduziu (em) Rebeca na tenda de Sara, sua mãe. Desposou-a, e ela tornou-se sua mulher muito amada. E desse modo Isaac consolou-se da morte de sua mãe.” (Gênesis 24:67). Peraí! Quer dizer que o escravo, eu e você passamos por tudo isso para que Isaac se consolasse da morte da mãe? Me poupe.

Me parece que as histórias bíblicas estão mudando um pouco. Convenhamos que foi um avanço a opinião da jovem Rebeca ser levada em consideração. Deus também parece estar agindo de forma mais indireta. Estou até com saudades do velho Javé que mandava chuvas de fogo e enxofre quando estava entediado. Me pergunto se ele vai voltar. Mas a mensagem é que o velho Abraão não queria seu filho se misturando com outro povo/etnia/religião. Soa familiar?