quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Gênesis 9

Como já podemos perceber, a Bíblia Sagrada é um livro difícil de ler. Confuso, contraditório, com mais engasgos na trama que um filme do Tarantino. Desde a gênese (há!) deste blog, eu venho sumarizando e digerindo o texto para você, amigo leitor, que tem mais o que fazer da vida. Mas neste post, e somente neste, transcreverei o capítulo de cabo a rabo, versículo por versículo, para que você tenha a idéia do martírio que é ler esse livro. Vamos dar as mãos e enfrentar juntos esta provação.

1 Deus abençoou Noé e seus filhos: "Sede fecundos, disse-lhes ele, multiplicai-vos e enchei a terra.
Tome-lhe incesto e endogamia de novo. Mas esse assunto já apanhou demais. Basta.

2 Vós sereis objeto de temor e de espanto para todo animal da terra, toda ave do céu, tudo o que se arrasta sobre o solo e todos os peixes do mar: eles vos são entregues em mão.
3 Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo isto, como vos dei a erva verde.

Mais um lindo ensinamento deste livro. Todos os animais da terra são um mero alimento para o homem se deliciar. Tenho certeza de que tigres, tubarões-brancos e cia. pensam diferente. E, veja, Deus deu a erva verde para o homem. O que mais ele quer?

4 Somente não comereis carne com a sua alma, com seu sangue.
Opa, opa! Estava demorando para aparecer uma restrição. Canibalismo não pode!

5 Eu pedirei conta de vosso sangue, por causa de vossas almas, a todo animal; e ao homem {que matar} o seu irmão, pedirei conta da alma do homem.
6 Todo aquele que derramar o sangue humano terá seu próprio sangue derramado pelo
homem, porque Deus fez o homem à sua imagem.

O Senhor não tem dúvidas sobre a pena de morte. Matou, morreu.

7 Sede, pois, fecundos e multiplicai-vos, e espalhai-vos sobre a terra abundantemente."
Que sensação de déjà vu, né?

8 Disse também Deus a Noé e as seus filhos:
9 "Vou fazer uma aliança convosco e com vossa posteridade,
10 assim como com todos os seres vivos que estão convosco: as aves, os animais domésticos, todos os animais selvagens que estão convosco, desde todos aqueles que saíram da arca até todo animal da terra.
11 Faço esta aliança convosco: nenhuma criatura será destruída pelas águas do dilúvio, e não haverá mais dilúvio para devastar a terra."

Ueba! Deus não vai mais afogar tudo e todos! Teria ele ficado bonzinho?

12 Deus disse: "Eis o sinal da aliança que eu faço convosco e com todos os seres vivos que vos cercam, por todas as gerações futuras:
13 Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal da aliança entre mim e a terra.

Ah, que lindo! Um arco-íris é algo tão fofinho que dá quase para esquecer da carnificina desenfreada que Deus fez algumas páginas atrás.

14 Quando eu tiver coberto o céu de nuvens por cima da terra, o meu arco aparecerá nas nuvens,
15 e me lembrarei da aliança que fiz convosco e com todo ser vivo de toda espécie, e as águas não causarão mais dilúvio que extermine toda criatura.

Ok, agora eu tenho certeza que eu já ouvi isso.

16 Quando eu vir o arco nas nuvens, eu me lembrarei da aliança eterna estabelecida entre Deus e todos os seres vivos de toda espécie que estão sobre a terra."
Sério, minha gente, alguém chama o suporte técnico, porque deu pau.

17 Dirigindo-se a Noé, Deus acrescentou: "Este é o sinal da aliança que faço entre mim e todas as criaturas que estão na terra."
“Acrescentou”? Sério? De onde eu venho, isso se chama “encher lingüiça”.

18 Os filhos de Noé que saíram da arca eram Sem, Cam e Jafet. Cam era o pai de Canaã.
19 Estes eram os três filhos de Noé. É por eles que foi povoada toda a terra.

Sim, eu também estou pensando em incesto, mas eu prometi que não ia comentar mais nada sobre isso. Desculpe.

Agora esse final numa paulada só, para ver se você cai da cadeira.
Noé, que era agricultor, plantou uma vinha. Tendo bebido vinho, embriagou-se, e apareceu nu no meio de sua tenda. Cam, o pai de Canaã, vendo a nudez de seu pai, saiu e foi contá-lo aos seus irmãos. Mas, Sem e Jafet, tomando uma capa, puseram-na sobre os seus ombros e foram cobrir a nudez de seu pai, andando de costas; e não viram a nudez de seu pai, pois que tinham os seus rostos voltados.

Quando Noé despertou de sua embriaguez, soube o que lhe tinha feito o seu filho mais novo. "Maldito seja Canaã, disse ele; que ele seja o último dos escravos de seus irmãos!". E acrescentou : "Bendito seja o Senhor Deus de Sem, e Canaã seja seu escravo! Que Deus dilate a Jafet; e este habite nas tendas de Sem, e Canaã seja seu escravo!". Noé viveu ainda depois do dilúvio trezentos e cinqüenta anos. A duração total da vida de Noé foi de novecentos e cinqüenta anos; e morreu.
(Gênesis 9:20-29)

Ok, pó-pará! Deixe-me ver se eu entendi direito. Sugiro que você tenha um bloco de notas aí do lado para fazer um esquema gráfico. Olha só. Noé toma todas e tira a roupa dançando cara-caramba cara-caraô. Cam presencia o vexame e resolve compartilhar com seus irmãos. Os irmãos de Cam vão salvar o velho do mico que ele está pagando. Sabiamente, eles não querem ver a piroca de um velho de 600 anos de idade balançando e fazem o resgate de ré. Quando o velho Noé acorda do porre, ele resolve transformar o filho de Cam, seu neto, em escravo dos próprios tios. Alguém pode me explicar a lógica disso? Qual é a moral dessa história? Sério, não é uma pergunta retórica. Alguém me explica que lição devemos tirar dessa parábola.

Imagine Canaã, filho de Cam, recebendo a notícia:

- Filhão...
- Oi pai!
- Você gosta do tio Sem e o tio Jafet?
- Sim, eles são supimpa!
- Que bom, porque você acaba de virar escravo deles.
- ...?!? C-c-como?!? P-p-por que?!? Peraí! Eu juro que aquela maconha na minha mochila é de um amigo! Eu só estava guardando pra ele!
- Não é por isso não, meu filho. É porque eu, ontem à noite, tive o desgosto de ver o seu avô dançando pelado. Por isso ele resolveu arruinar sua vida te transformando num escravo.
- Putaqueopariu! Como assim?
- Assim.

E lembrem-se que, recapitulando Gênesis 6:9, Noé “era um homem justo e perfeito”. Certo. Justo como colarinho de palhaço.

Aparentemente, as pessoas que viviam em tribos do Oriente Médio na idade do bronze (e que escreveram este best-seller) tinham um problema sério com ficar pelado, mas nenhum problema com incesto e escravidão intra-familiar. Vamos ver que surpresas nos aguardam nos capítulos vindouros. Amém.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Interlúdio: Quantos elefantes cabem num Fusca?

Cinco, é claro. Dois na frente e três atrás. E quantos animais cabem num barco que nunca existiu? Bem, segundo a Bíblia Sagrada, Noé fez caber um casal de cada espécie de animal impuro (?) e sete casais de cada espécie de ave e animal puro (??) na Arca. Ok, vamos quebrar o galho de Noé e fazer vista grossa para uma enchente (turum-tish!) de evidências. Como não sabemos que animais são puros ou impuros, vamos supor que ele pegou sete casais somente de cada espécie de ave. Dos outros animais, um casal para cada espécie. Depois vamos empurrar as milhões de espécies de insetos e aracnídeos para debaixo do tapete e fingir que elas não ocupam espaço. E, de quebra, vamos supor que todas as espécies de animais da Terra já estão descritas (o que é um absurdo, mas tá). Não quero te inundar (turum-tish-tish!) com números, mas, segundo a lista de espécies identificadas da IUCN, são 5.490 espécies de mamíferos, 9.998 de aves, 9.084 de répteis e 6.433 de anfíbios. Só contando esses quatro grupos, Noé teve que fazer 181.968 animais caberem na Arca.

Agora pense em estocar comida para um ano para esses animais. E água? Sim, choveu por quarenta dias, mas e o resto ano? Eles beberam a água salgada da enchente? Pense também em limpar e remover as toneladas de fezes. E na ventilação do ambiente, com a uma janela que Deus pôs no projeto (Gênesis 6:16). E em parasitas e doenças num ambiente confinado. Agora pense que o quadro de funcionários da Arca de Noé é de sete pessoas para 180.000 animais. O Zoológico de São Paulo tem cerca de 370 funcionários para 3.200 animais. Enfim, dá para escrever um livro sobre o absurdo que essa história é.

Aliás, existe um livro sobre a logística da Arca de Noé, mas não do jeito que você está pensando. O auto-proclamado “cientista” (aspas, aspas! muitas aspas!) e criacionista John Woodmorappe, que já tentou de todo jeito provar que a datação por carbono 14 está errada (!), escreveu um livro chamado ‘Noah’s Ark: A feasibility study’. Nele, o autor “prova” (olha as aspas aí de novo!) que a Arca de Noé é logisticamente possível. Só para se ter uma idéia da baixaria da argumentação deste descendente de Adão, veja o que ele afirma sobre a alimentação dos dinossauros que estavam na arca. Isso, dinossauros. “Dinossauros devem ter comido basicamente as mesmas comidas que os outros animais. Os grandes saurópodos (ele está falando de brontossauros aqui, meu amigo) devem ter comido feno e outros vegetais desidratados. Dinossauros carnívoros – isso se algum deles era carnívoro antes do Dilúvio (meu café da manhã acabou de voltar até a garganta. obrigado.) - devem ter comido carne seca, carne seca reconstituída ou animais abatidos. Tartarugas gigantes teriam sido alimentos ideais nessa situação. Elas são grandes e precisam de pouca comida”. Acho que o argumento mais forte de Woodmorappe é “se eu consigo enfiar tanta baboseira dentro de um livro, é claro que Noé conseguiu enfiar todos os animais na Arca”. Não creio que nenhum cientista sério tenha escrito um livro sobre a impossibilidade da Arca de Noé. Provavelmente pelo mesmo motivo que ninguém que zela pelo nome escreveria um livro sobre porque o Coelhinho da Páscoa não existe.

Qualquer um que acha que a Arca de Noé foi verdade, eu sugiro que mantenha um elefante dentro de sua cozinha por um ano, e use sua sala de jantar para estocar comida. Pensando bem, não faça isso. O elefante vai morrer. E ele não tem culpa que esse primata idiota chamado humano acredita nas próprias mentiras que inventa.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Gênesis 7 - 8


Os dez primeiros versículos de Gênesis 7 ficam no mesmo nheco-nheco do fim de Gênesis 6: “Nóe, entra no seu barquinho que o pau vai quebrar” (Gênesis 7:1-10). Exceto pelas seguintes novíssimas informações dadas por Deus: “De todos os animais puros tomarás sete casais, machos e fêmeas, e de todos animais impuros tomarás um casal, macho e fêmea; das aves do céu igualmente sete casais, machos e fêmeas, para que se conserve viva a raça sobre a face de toda a terra” (Gênesis 7:2-3). O Senhor, talvez por aconselhamento de algum anjo bom de genética de populações, resolveu que era melhor sete em vez de um casal de cada animal puro. Essa lista de “animais puros” só deve existir mesmo dentro da cabecinha perturbada de Deus. Noé só topou porque percebeu que puxar o saco sem fazer perguntas é o que dá resultado. E perceba ênfase que é dada ao fato de que casal é um macho e uma fêmea! Não me venha com viadagem! Além disso, o Senhor também liberou uma programação do seu Festival da Morte por Afogamento: “dentro de sete dias farei chover sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites” (Gênesis 7:4).

Então, depois de muito suspense, Deus abre as comportas e dá início ao seu massacre. “No ano seiscentos da vida de Noé (eu podia jurar que o Todo-Poderoso tinha limitado o tempo de permanência para 120 anos, mas tá), no segundo mês, no décimo sétimo dia do mês, romperam-se naquele dia todas as fontes do grande abismo, e abriram-se as barreiras dos céus” (Gênesis 7:11). Com a chuva engrossando, entrou Noé, seus seis familiares, um número impraticável de animais, “e o Senhor fechou a porta atrás dele” (Gênesis 7:16), porque, no projeto da arca, faltou uma maçaneta do lado de dentro da porta.

E choveu. Choveu pracaralho. Por quarenta dias, para ser preciso. “As águas inundaram tudo com violência, e cobriram toda a terra, e a arca flutuava na superfície das águas” (Gênesis 7:18), e “todas as criaturas que se moviam na terra foram exterminadas” (Gênesis 7:21). Pronto! Deus resolveu o problema da violência matando todo mundo! É ou não é um gênio? E, como o problema do lixo entupindo os bueiros já é bem antigo, “as águas cobriram a terra pelo espaço de cento e cinqüenta dias” (Gênesis 7:24).

Ora, Deus lembrou-se de Noé, e de todos os animais selvagens e de todos os animais domésticos que estavam com ele na arca”. É isso mesmo, amigo leitor. Deus lembrou-se de Noé! Perceba: ele tinha esquecido, mas lembrou! É ou não é um cara atencioso? Mesmo com a cabeça ocupada com coisas como saborear a carnificina que ele acabou de fazer, o Senhor ainda consegue lembrar-se de Noé! E “fez soprar um vento sobre a terra, e as águas baixaram” (Gênesis 8:1).

Pois bem. As águas foram baixando, a arca encalhou nas montanhas do Ararat. Então Noé usa uma pomba para saber se enchente tinha passado mesmo. Como? Simples, um dia a pomba “voltou, trazendo no bico uma folha verde de oliveira. Assim Noé compreendeu que as águas tinham baixado sobre a terra” (Gênesis 8:11). Todo mundo sabe que, quando uma pomba pega uma folha verde de oliveira, é porque está tudo seco. É tiro e queda. E, além disso, as plantas não pareceram ter problemas em ficar tanto tempo debaixo d’água, não é mesmo? “Então falou Deus a Noé: ‘Sai da arca, com tua mulher, teus filhos e as mulheres de teus filhos. Faze sair igualmente contigo todos os animais que estão contigo de todas as espécies: aves, quadrúpedes, répteis diversos que se arrastam sobre a terra; faze-os sair contigo para que se espalhem sobre a terra e para que cresçam e”, com todas as combinações possíveis de incesto, “se multipliquem sobre a terra’" (Gênesis 8:16-17).

O pai de todos os puxa-sacos, Noé, já sabia que Deus gosta mesmo é de morte e “tomou de todos os animais puros e de todas as aves puras, e ofereceu-os em holocausto (holocausto é churrasco, ok?) ao Senhor sobre o altar” (Gênesis 8:20). Ou seja, alguns animais foram sorteados para, depois de passarem mais de um ano em condições piores que ônibus de bóia-fria, queimar num altar! Obrigado, Senhor!

O Senhor respirou um agradável odor, e disse em seu coração: ‘Doravante, não mais amaldiçoarei a terra por causa do homem porque os pensamentos do seu coração são maus desde a sua juventude, e não ferirei mais todos os seres vivos, como o fiz. Enquanto durar a terra, não mais cessarão a sementeira e a colheita, o frio e o calor, o verão e o inverno, o dia e a noite’” (Gênesis 8:21-22). Deus não precisa enviar um raio sobre minha cabeça por escrever esse blog. Ele vai me matar de tanto rir. Vou trocar em miúdos. Deus matou todos os seres vivos porque o homem era mau. Sob o efeito da fumaça tóxica do churrasco de Noé, o Senhor se toca que o homem é mau mesmo e não tem jeito. E justamente por isso, nunca mais vai fazer uma carnificina dessas. Sério, alguém precisa avisar a esse cara que ele não dá uma bola dentro! Seus decretos não fazem o menor sentido! Ele precisa de um marketeiro, um conselheiro, um psiquiatra, sei lá!

E assim termina a história do dilúvio. Dela podemos tirar valiosas lições, por exemplo... ahm... deixa pra lá. Oremos.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Gênesis 6

Irmãos, celebrai! Neste capítulo as coisas começam a esquentar novamente. Sente só: “Quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, e lhes nasceram filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas, e escolheram esposas entre elas” (Gênesis 6:1-2). Ié, bêibi! Nada como um pouquinho de paquera e azaração para puxar essa história do buraco! Deus, em conseqüência disso, solta mais um de seus decretos: "Meu espírito não permanecerá para sempre no homem, porque todo ele é carne, e a duração de sua vida será de cento e vinte anos" (Gênesis 6:3). É isso mesmo. Chega dessa putaria de viver até os 900 anos! Não há plano de saúde que agüente! E como o homem é todo carne (e ossos, e pelos, e tecido conjuntivo e o escambau), só irá viver até os tenros 120 aninhos de idade. Fez sentido? Nem para mim. Deus só pode estar chapado quando inventa essas regras.

E o non-sense continua. “Naquele tempo viviam gigantes na terra, como também daí por diante, quando os filhos de Deus se uniam às filhas dos homens e elas geravam filhos. Estes são os heróis, tão afamados nos tempos antigos” (Gênesis 6:4). Sim, o autor interrompe o fluxo da história (que já vai meio engasgado) para escrever um versículo que diz “Ah! Havia também heróis gigantes, ok?”. Hmmm... ok, então.

De volta à nossa história, “O Senhor viu que a maldade dos homens era grande na terra, e que todos os pensamentos de seu coração estavam continuamente voltados para o mal. O Senhor arrependeu-se de ter criado o homem na terra, e teve o coração ferido de íntima dor” (Gênesis 6:5-6). Deus percebeu que o ser humano era ruim como carne de pescoço e se arrependeu de ter criado seus bichinhos de estimação. E sentiu dor em seu coração (sim, ele tem um!). Mimimimi. Qual o jeito mais óbvio de se aplacar uma tristeza no coração? Ir para o cinema, comprar pipoca e assistir a uma comédia romântica? Escutar um bom sertanejo agarrado com seu ursinho de pelúcia favorito? Não, meu amigo. Nada como um bom assassinato em massa para trazer um sorrisinho de volta ao rosto de Deus!

"Exterminarei da superfície da terra o homem que criei, e com ele os animais, os répteis e as aves dos céus, porque eu me arrependo de os haver criado" (Gênesis 6:7). Não, você não leu errado. Para resolver o problema da maldade dos homens, o Senhor resolve massacrá-los. Ele não está com saco para separar os corruptos dos honestos, crianças e bebês inocentes. “Mata tudo! E quer saber? Passa o rodo nos animais também, para aproveitar o embalo da carnificina!”.

Mas havia um camarada chamado Noé que caiu na graça do chefe. O Senhor, em vez de dar um bilhete premiado da mega-sena, deu uma barbada muito melhor para Noé: o projeto para construir um barco que, de alguma forma, iria salvá-lo do banho de sangue desenfreado que o Senhor iria causar (todo mundo já sabe que vem o dilúvio por aí, mas, em prol da história, vamos fingir que não sabemos ainda, ok?). E em apenas três versículos (Gênesis 6:14-16), Deus descarrega seus conhecimentos de engenheiro naval num manual passo-a-passo para construir uma arca de 157 metros de comprimento por 26 de largura. Tá, é grande mas não é nenhum Titanic (que tinha 269m de comprimento, por exemplo).

E então Deus revela seu plano diabólico (sim, eu sei) para ceifar a vida de quase tudo que ele mesmo criou. “Eis que vou fazer cair o dilúvio sobre a terra, uma inundação que exterminará todo ser que tenha sopro de vida debaixo do céu. Tudo que está sobre a terra morrerá. Mas farei aliança contigo: entrarás na arca com teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos” (Gênesis 6:17-18). Uau! Quanta bondade num só coração! A família de Noé também será poupada da horrenda morte por afogamento que o resto da humanidade irá sofrer! Deus é pai! E continua. “De tudo o que vive, de cada espécie de animais, farás entrar na arca dois, macho e fêmea, para que vivam contigo. De cada espécie de aves, e de cada espécie de quadrúpedes, e de cada espécie de animais que se arrastam sobre a terra, entrará um casal contigo, para que lhes possas conservar a vida” (Gênesis 6:19-20). E como se a arca já não estivesse cheia o suficiente, “tomarás também contigo de todas as coisas para comer, e armazená-las-ás para que te sirvam de alimento, a ti e aos animais" (Gênesis 6:21).

Certamente Deus não tem e menor noção de espaço. Sabe aquela piada de “como se coloca cinco elefantes num fusca”? Pois é, conte ela para o Senhor e ele vai ficar com cara de interrogação: “Ué... qual é a graça? Não entendi...”. Deus deve ter desligado antes que Noé pudesse protestar: “Mas, Senhor! Como eu vou fazer para enfiar esse monte de p...” [tu-tu-tu-tu-...] Sinal de ocupado. “Noé”, por falta de opção, “obedeceu, e fez tudo o que o Senhor lhe tinha ordenado” (Gênesis 6:22). E assim acaba o capítulo, com clima de “não perca o próximo episódio”.

Deus resolveu exterminar tudo que respira por causa da maldade do homem. Mas cá entre nós, se ele criou o homem, também não criou essa maldade inerente? Que fizesse o homem bonzinho e solidário, oras. Mas já posso imaginar um cristão entrando pela janela de voadora e gritando “Rafael, sua besta! Deus também deu o livre arbítrio para o homem!”. Bem, livre pero no mucho, né? “Faça o que quiser, mas se você não fizer exatamente o que eu quero, vou te exterminar com um dilúvio, ok?”. Mas que bela porcaria de livre arbítrio. Quero meu dinheiro de volta.

P.S.: Eu sei que cristãos não entram de voadora janela adentro. Não sempre, pelo menos. Foi só um recurso dramático.

P.P.S.: Os insignificantes detalhes logísticos de se enfiar todos os animais num barco serão tema de um interlúdio. Guardem seus comentários sobre a Arca para o post em questão. Obrigado!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Gênesis 5

A depressão criativa do autor/autores da Bíblia continua forte neste capítulo. E como vocês sabem, quando a Bíblia sofre, este Blog sofre. Por isso peço desculpas pelo post curto, vagabundo e sem-graça. Mas lá vai.

Este é o livro da história da família de Adão. Quando Deus criou o homem, ele o fez à imagem de Deus” (Gênesis 5:1). Ok, vamos de leve. Para começar, chamar um capítulo de “livro” é forçar um pouco a barra, heim? Depois, “a família de Adão”, se eu entendi bem, somos todos nós. Enfim. Deus criou o homem, humildemente, à imagem dele mesmo. E, para sacanear, criou o chimpanzé um pouquinho diferente. E o bonobo mais um pouquinho. E o gorila. E assim por diante até o ornitorrinco, quando ele estava certamente entediado.

Criou-os homem e mulher, e os abençoou, e deu-lhes o nome de homem no dia em que os criou” (Gênesis 5:2). Abençoou? Eu tinha certeza que ele só tinha almadiçoado até agora. E também não entendi muito bem essa lógica: “Olá homem, você se chama homem. Olá mulher, você se chama homem”. Depois disso o capítulo descamba para trinta versículos contando a descendência de Adão e quanto tempo cada um viveu. Seria quase totalmente entediante se a expectativa de vida média dessa gente não girasse em torno dos 800 anos. O recorde ficou com Matusalém, que morreu com 969 anos. Se algum filho ou neto estava esperando a herança do velho para botar o burro na sombra, se deu mal. Por que hoje em dia dificilmente passamos dos 80? McDonald’s, Coca-Cola e agrotóxicos, talvez.

Curiosamente, ou nem tanto, a descendência de Adão não cita nenhuma mulher. Adão gerou Set, que gerou Enos, que gerou Cainan e o cacete. As mulheres tiveram só o trabalho de carregar os bonitões por nove meses, ter cólicas, náuseas, inchaços e tudo mais. Além de parir, que só posso imaginar como é (creio que seja tentar passar uma bola de sinuca por uma de minhas narinas). E dar de mamar, e limpar a... ah, você pegou idéia. Realmente elas não merecem ser citadas.

É isso. Obrigado e desculpe.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Gênesis 4

Segura essa: “Adão conheceu Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz Caim, e disse: ‘Possuí um homem com a ajuda do Senhor’” (Gênesis 4:1). Ka-pow! Gênesis 4 já começa com o pé-na-porta e quer te derrubar da cadeira no primeiro versículo, caro leitor! Por partes iremos.

Deus proíba que eu seja o responsável por acabar com sua inocência, mas “conhecer” aqui no livrão significa “transar”, “trepar”, “passar a vara”, “dançar o mambo selvagem” e morro abaixo. Então você, pai zeloso, que pensa que está tudo bem quando sua filha adolescente diz que “conheceu um monte de gente legal na festinha de ontem à noite”, pense novamente! Enfim, vamos em frente. Eva disse ‘possuí um homem com a ajuda do Senhor’. Protesto, excelência! Quando e como o Senhor ajudou? Se tivesse sido na concepção, seria um ménage. Acho que não. No parto, ele não só não ajudou como atrapalhou, na hora em que ele lançou aquela maldição de aumentar as dores do parto, lembra? Só pode ter sido no pré-natal, fazendo exames periódicos de ultra-som e dando dicas de yoga para grávidas. Que seja.

Adão e Eva viram “que era bom”, se me permitem pegar uma frase emprestada, se conheceram de novo e tiveram outro rebento, Abel. “Abel tornou-se pastor e Caim lavrador. Passado algum tempo, ofereceu Caim frutos da terra em oblação ao Senhor” (Gênesis 4:2-3). “Oblação” é oferenda, caso você já esteja perguntando ao Google. Não se sinta mal, eu também perguntei. “Abel, de seu lado, ofereceu dos primogênitos do seu rebanho e das gorduras dele; e o Senhor olhou com agrado para Abel e para sua oblação, mas não olhou para Caim, nem para os seus dons” (Gênesis 4: 4-5). Eu explico: Abel achou que queimar ovelhas era uma boa forma de puxar o saco de Deus e, veja só, o Senhor gostou. Quem resiste ao cheiro de um bom churrasco? Para os frutinhos de Caim, Deus fez “nhé... caguei”.

Caim não ficou nada feliz com a clara preferência de Deus por Abel. O Senhor, agindo como alguém que se importa, perguntou “por que estás irado? E por que está abatido o teu semblante?” (Gênesis 4:6). “Por que a cara de cu, Caim?” eu diria. Mas o Senhor não queria saber a resposta de Caim. Sabe quando a gente cruza com alguém na rua e diz “E aí, tudo bem?” mas gente não quer saber se está tudo bem mesmo? Então. Antes que o pobre humano pudesse responder, Deus aproveitou a deixa para lançar mais um de seus conselhos de biscoito-da-sorte chinês. “Se praticares o bem, sem dúvida alguma poderás reabilitar-te. Mas se precederes mal, o pecado estará à tua porta, espreitando-te; mas, tu deverás dominá-lo” (Gênesis 4:7). Peraí, Deus! “Reabilitar-te” de que? De ter cometido o crime de te oferecer frutos (que, aliás, é muito mais saudável que churrasco. Caim estava preocupado com o colesterol de Deus e isso que ele recebe em troca)? E “praticar o bem” é fazer sacrifícios animais para o seu deleite? Certo então!

Certo dia Caim acorda com a bunda descoberta e resolve esgoelar o puxa-saco do Abel. Mas Deus tem um talento para não estar presente nos momentos cruciais da história. Lembra que, quando Eva aceitou o fruto da serpente, ele não estava e não viu nada? Pois é, ele também perdeu a parte em que Caim matou Abel. Devia estar no banheiro. Por isso, perguntou: “Onde está seu irmão Abel?". Caim, que já estava num humor daqueles, responde com um coice: “Não sei! Sou porventura eu o guarda do meu irmão?" (Gênesis 4:9). Sensacional! Finalmente alguém bateu o pé para Deus! “Caim, cadê Abel?” “Eu vou saber, porra? Já procurou embaixo da pilha de ovelhas torradas que ele fez para você?”. Boa Caim! Mas se tem uma coisa que Deus é bom, é em pegar a mentira dos homens no pulo. O Senhor percebe tudo, fica puto (de novo) e lança uma maldição (de novo). Caim não ia conseguir plantar mais nada e estava fadado a ser um peregrino errante pela terra, desses que empurra um carrinho de supermercado cheio de porcaria.

Caim não agüenta o tranco e choraminga: “Meu castigo é grande demais para que eu o possa suportar. Eis que me expulsais agora deste lugar, e eu devo ocultar-me longe de vossa face, tornando-me um peregrino errante sobre a terra. O primeiro que me encontrar matar-me-á" (Gênesis 4:14). Apesar da ótima escolha no uso da mesóclise (mandou bem com o “matar-me-á”), a preocupação de Caim de ser morto é em vão. Eu leio a Bíblia com um caderninho do lado para anotar a população da terra. Até pouco tempo atrás íamos em quatro pessoas: Adão, Eva, Caim e Abel. Caim fez o favor de matar 25% da população da terra. Caim, meu caro, pode vagar por aí numa boa! Ninguém vai te encontrar, rapaz! E quem te encontrar, vai ser da família, não é?

Mas Deus também não se toca disso e resolve quebrar o galho de Caim de uma forma que só faz sentido na cabeça dele: “’Não! Mas aquele que matar Caim será punido sete vezes.’ O Senhor pôs em Caim um sinal (uma camiseta com os dizeres “Quem me matar será punido sete vezes”?), para que, se alguém o encontrasse, não o matasse” (Gênesis 4:15). O mendigo Caim “foi habitar na região de Nod, ao oriente do Éden. Caim conheceu sua mulher. Ela concebeu e deu à luz Henoc. E construiu uma cidade, à qual pôs o nome de seu filho Henoc” (Gênesis 4:16-17). Pó-pará!!! Como assim “conheceu sua mulher”? Que mulher? De onde saiu essa sirigaita? Deus arrancou mais uma costela de Adão, fez outra mulher, e o livro omitiu essa parte? Ou essa mulher é também filha de Adão e Eva e, sinto muito, irmã de Caim? Desculpe-me, mas se eu tivesse comprado um livro que tem esse buraco na história, eu voltava na livraria para pedir meu dinheiro de volta. Enfim.

Um dos descendentes de Caim, chamado Lamec, de bobo só tinha o nome. “Lamec tomou duas mulheres, uma chamada Ada e outra Sela” (Gênesis 4:19). Ada teve um filho chamado Jabel, “que foi pai daqueles que moram em tendas, entre os rebanhos” (Gênesis 4:20) e outro chamado Jubal, “que foi o pai de todos aqueles que tocam a cítara e os instrumentos de sopro” (Gênesis 4:21). Já Sela, teve um filho chamado Tubal-Caim, “que foi o pai de todos que trabalham o cobre e o ferro” (Gênesis 4:22) e uma filha chamada Noema, que não foi porra nenhuma.

Lamec, um belo dia, chega para suas duas esposas e solta: “Ada e Sela, ouvi a minha voz: mulheres de Lamec, escutai as minhas palavras: Por uma ferida matei um homem, e por uma contusão um menino. Se Caim será vingado sete vezes, Lamec o será setenta e sete vezes” (Gênesis 4:24). Suponho que Ada e Sela se entreolharam com a aquela cara de “heim?”. Teria Lamec bebido água de salsicha? Estaria o velho ficando gagá?

Deixando o mistério no ar, nossa história volta repentinamente para Adão que ”conheceu outra vez sua mulher, e esta deu à luz um filho, ao qual pôs o nome de Set, dizendo: ‘Deus deu-me uma posteridade para substituir Abel, que Caim matou’. Set teve também um filho (com quem, mesmo?), que chamou Enos. E o nome do Senhor começou a ser invocado a partir de então” (Gênesis 4:25-26). Ficou parecendo que o autor se embananou com a história, não sabia como desatar o nó e inventou essa bobagem para terminar. Uma decepção para um capítulo que começou tão bombasticamente bom. E chega.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Interlúdio: Por que, meu Deus?

Por que diabos eu estou lendo a Bíblia Sagrada? Talvez Isaac Asimov já tenha respondido quando disse que “lida corretamente, a Bíblia é a mais poderosa força para o ateísmo jamais concebida”. Alguns se propõem a comer somente sanduíches do McDonald’s por um mês, outros se atiram numa floresta com apenas uma faca e um cantil. Bem, eu decidi ler a Bíblia para ver se sobrevivo até o fim.

E durante o processo vou escrever minhas impressões neste blog, enfatizando os absurdos históricos, científicos e morais da Bíblia. Muitos podem achar injusta a leitura de partes como a criação de Adão e Eva com rigor científico. Muitos cristãos (mas não todos!) as entendem como metáforas e, questionar incoerências nessas passagens, seria chutar cachorro morto. Certo, certo. Mas, em algum momento, esse livro deixa de contar fábulas para relatar supostos fatos históricos. Sempre que arqueólogos descobrem algum barco muito velho, muitos cristãos batem palminhas para o que pode ser uma nova “evidência” do dilúvio. E um número maior ainda, apesar de duvidar que uma serpente de fato falou com Eva, acredita que Jesus transformou água em vinho e ressuscitou um morto já em estado de putrefação! Pois, como cada um escolhe o que é fabula e o que não é, eu vou simplesmente ler o livro e dizer o que eu acho.

E de qualquer forma, seja como metáfora ou relato histórico, a Bíblia traz conceitos maravilhosos como machismo, escravidão, pena de morte por apedrejamento e muitos outros! Gostaria muito de receber comentários me corrigindo, me explicando que eu burramente entendi certo trecho errado, e que na verdade é assim e assado. Até permiti que comentários sejam feitos anonimamente, para encorajar os mais tímidos.

Enfim, espero que gostem do blog e espero que eu consiga mantê-lo! Tenho muitos amigos cristãos que certamente tem a inteligência e o bom humor para não levar esse blog tão a sério. E até dar risada de alguma bobagem que eu escrever aqui.